Ao meu querido Vladimir Zakharov – Um marionetista nunca morre.

Zakharov Vladimir Puppenspieler Tomks, von Ramona Gastl, kontakt@ramonagastl.de
Zakharov Vladimir Puppenspieler Tomks, von Ramona Gastl, kontakt@ramonagastl.de
Zakharov Vladimir Puppenspieler Tomks, von Ramona Gastl, kontakt@ramonagastl.de

Meu coração está devastado.

Hoje amanheci assim, com esse ecossistema que habita meu coração-corpo devastado com a noticia da morte do grande Vladimir. Nunca esqueci seu olhar, sua mirada quando nos conhecemos pela primeira vez. Ternura e profundidade aliadas num único gesto e também este ato mágico e inexplicável que é o olhar.

Habitante de longínqua floresta, no outro extremo do trópico: Sibéria. Ele recolhia as árvores caídas para construir suas marionetes e também construiu o seu teatro. São muito e muitos detalhes sobre esse ser que tentou salvar parte de seu atelier na noite passada, e acabou sendo vitima de um incêndio. Vladimir e o bosque. Vladimir e a matéria madeira em combustão. Difícil, pois a sensação é que ele com seus 64 anos poderia construir outros tantos teatros pelos bosques do mundo, e mais 15 espetáculos, e mais…

Mas o gesto interminável do marionetista, o transitar entre a vida e a morte, e habitar no umbral, no entre-mundos, no entre-estados, faz que Vladimir seja leve neste outro estado que se encontra agora, o mais selvagem de todos.

Ele inventou uma marionete, com um dos sistemas mais complexos que já tive contato, mas ao mesmo tempo, um dos mais orgânicos e sensíveis. Eu sempre costumo entrar em processos filosóficos nas imersões marionetescas que dou pelo mundo afora, e sempre falo do pulso, que é parte do corpo, é resumo do corpo, como qualquer outra parte. As infinitas relações entre parte e todo e parte e todo… Zakharov criou a marionete de pulso, com os movimentos mais detalhados e extremos. A primeira vez que vi, perdi o fôlego, o nariz ardeu e os olhos inundaram o sul da Itália (ali se deu nosso primeiro encontro).  Ele veio do mundo da robótica e nos mostrou , a todas e todos que quiseram ver e sair das mesmas referencias européias, que a marionete é uma arte mutante, proteiforme, exagerada na poesia.

Eu tenho uma relação íntima e selvagem com a existência desse ser: Vladimir Zakharov. Eu agradeço ao meu oficio por ter gerado nossos encontros e trocas. Não há fronteiras e nem limites para a criação e o fazer teatral.

No seu teatro na cidade de Tomsk, Sibéria, ele criou automatas para o recebimento do público. Ali ele apresentou suas obras e recebeu alguns alunos. Estava nos meus planos proximos visitá-lo e compartir momentos.

Com a mesma energia e textura do fogo no bosque, quero lembrá-lo e homenageá-lo sempre que eu puder nas minhas andanças e mergulhos.

Vladimir habita muitas células de muitos marionetistas espalhados pelo mundo.

Gracias pela mirada de mundo e pelos sonhos compartidos.

Saravá.

Juju